Qual espetáculo você está vivendo?
Depois de tantos anos contando meus sonhos em terapia e ouvindo de um sem-número de pessoas as incríveis histórias que vivem no sono profundo, ainda me encanta o fato de os sonhos nos fascinarem tanto. Nos registros dos meus próprios sonhos, tem de tudo um pouco: já “apareci” cheia de piercings em uma festa; já empacotei eu mesma meu próprio corpo; perdi a conta de quantas vezes corri nua pela rua e quantos amores remotos deram as caras (e, às vezes, também as cartas!) nos meus sonhos.
Dos que confiaram a mim suas viagens oníricas ouvi também relatos de extraordinária criatividade! Assim, acordadinhos, conseguimos imaginar um navio que anda na rua? Ou que planamos sobre os prédios, sem asas e sem qualquer direção? Dirigir um carro no mais absoluto escuro, respirar no fundo do mar, estar grávida ou menstruar quando a natureza já encerrou esse ciclo para a sonhadora… A lista é interminável e cada episódio oferece material suficiente para um roteiro de filme feliniano!
Por serem assim fantásticas, intensas, ousadas e impossíveis é que essas imagens ou cenas oníricas nos arrebatam. Para o ego, limitado e racional, isso é coisa de louco e, se assim é, para que levar isso em conta? A tendência de grande parte das pessoas é descartar esses enredos bizarros, desprezando um material revelador de nós mesmos e orientador para a vida acordada. Sequer paramos para refletir como a vida se torna interessante sob a perspectiva do sonho! Sequer nos permitimos um certo desvario para fazer a pergunta (quase proibida) que não quer calar: e se eu corresse nua pela rua, o que aconteceria? E você? Consegue chegar a tanto, nem que seja na imaginação?
Se levo adiante a conversa comigo mesma, posso até concluir que correr nua é mostrar-me como sou, é estar exposta, é despir-me de certos valores (roupa, sapato, acessórios) exaltados no mundo coletivo… E seguir caminhando por esses atalhos e becos das perguntas para, quem sabe, desembocar em ruas mais largas da compreensão de mim mesma.
Gosto de John Sanford (Os Sonhos e a Cura da Alma – Editora Paulinas, 1988), quando diz:
“… viver sob a orientação dos sonhos é viver como alguém que esteja sob constante instrução. Às vezes, os sonhos simbolizam muito diretamente o que estamos dizendo. Sonhamos, às vezes, que estamos indo a um teatro para ver um espetáculo; isto é, para ver nosso próprio drama interior se desenrolar”.
Qual tem sido o seu espetáculo?
Ele merece aplauso, tem despertado riso, lágrima, inquietação?
Ou tem sido tão sem graça que você não o recomendaria nem para o mais tolo dos passantes?