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Arranje um marido

Estou um pouco cansada de driblar a campanha “Arranje um marido”, empreendida por grande parte dos meus círculos. A família e até os amigos não me dão sossego, insistindo que já estou há muito tempo sozinha (desde que me separei, há 11 anos, não casei outra vez, mas tive alguns namorados, nada sério), como se eu tivesse que estar com alguém, casada oficialmente ou pelo menos morando junto. Parece que custa muito entenderem que estou bem assim, que não preciso ter minha vida ligada a um homem para estar feliz, inteira. Não estou fechada a um outro relacionamento, mas também não tenho disposição para ficar por ficar.

Vania N. M., 49

Assunto que dá pano pra manga, como se diz numa boa roda de conversa. E já deu um livro de muito sucesso, da jornalista argentina Viviana Thorpe, e que depois virou peça de teatro no Brasil, com a Zezé Polessa: Não sou feliz, mas tenho marido. No teatro, foi uma comédia, mas nas entrelinhas essa história conta um drama que acorrenta mulheres ao casamento mesmo quando ele já acabou e o que sobra da união é essa conformação, aniquiladora a meu ver. Há inúmeras razões para uma mulher aceitar ‘qualquer coisa’ (um marido infiel, um companheiro agressivo, o fim do desejo, a privação da liberdade, a mesquinhez financeira) só para não ficar sozinha, mas o foco não é este, pelo menos aqui neste espaço, pois o seu questionamento é outro.

A campanha que você menciona existe, sim, e sustenta um discurso perverso de que mulher sem marido é alguém menor, um tipo de pessoa que não dá para confiar, pois ela escapa ao padrão de submissão e dependência da sociedade cujo discurso patriarcal é o que prevalece, que nos quer exatamente assim, dependentes e submissas. Somos destinadas ao casamento e é ele, ainda hoje, que nos valida ante o julgamento de alguns círculos, mesmo que já tenhamos vencido tantas limitações impostas ao gênero.

Para sair desse discurso tivemos que ir em busca de nós mesmas, conhecer nosso potencial e assumir nosso poder, uma conquista absolutamente individual, que requer esforço próprio e coragem para a jornada. Entenda, Vania, que este não é um discurso feminista, mas uma exaltação à individuação, caminho de acesso à alma e de fortalecimento da identidade. Pode ser que você tenha chegado a esse estágio de desenvolvimento e esteja experimentando o bom da sua própria companhia, um desafio para tantas pessoas, assustadas com a possibilidade de ficarem a sós consigo e com as conversas que podem surgir nesse encontro singular.

É difícil ‘convencer’ os outros de que você está bem assim e que estar sozinha não a leva ao desespero, ao confinamento ou ao isolamento. Que a vida segue, amigos são bem-vindos e os programas serão vividos se se encaixarem no seu gosto, no seu bolso, no seu ritmo. Ir sozinha ao cinema ou embarcar numa viagem carregando a própria mala não são experiências ruins. Até porque fazer esses programas na companhia de alguém, marido ou namorado, não é garantia de que a experiência será prazerosa…

Imagino, ainda, que você não abriu mão de relacionar-se de novo, de amar e viver as trocas naturais de quem forma um par. Ao chegar esse momento, a história não precisa, necessariamente, caminhar para um casamento, no sentido mais formal da palavra. O encontro, na maturidade, deveria ser uma escolha em que dois se juntam (e nem sempre na mesma casa!) não para se exibirem como troféus, mas porque o outro cabe no seu bem-estar e pode juntar-se à conversa que você começou com sua dimensão mais profunda.

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Repórter especial em jornais santistas e assessora de imprensa em São Paulo e Brasília, nas equipes de ministros e secretários de Estado. Especialista em Psicologia Analítica Junguiana e Constelação Familiar.

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