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Na companhia do ‘vozinho’

Meu carnaval é tempo de relógio preguiçoso, de ponteiros que não têm pressa de bater as horas. Não gosto da bagunça, nada me atrai nas lantejoulas e sambas-enredos das passarelas e praças. O tempo parece ser todo meu, sem apelos do mundo externo, sem outros chamados que não os da intimidade, esse espaço povoado de passado, mas também pontilhado de amanhãs.

E daí tudo vira presente. Como as cartinhas que encontro em uma pasta das antigas, daquelas que o elástico já está frouxo, mais do que na hora de trocar por uma dessas novas, transparentes. Cartinhas do vô, como sempre o chamei, embora fosse avô do filho e não meu. Não convivi com meus avós, não me sentei no colo deles e talvez por isso, pela carência dessas figuras únicas, tenha eu ‘roubado’ do filho o vozinho, o pequenino sr. Efroim, de pele tão alva que chegava a ser rosada.

Quando se encontravam, neto e avô, o velhinho abria os braços para o pequeno e dizia em ídiche, rosto escancarado de alegria, algo como “meu boneco”. Cabelos branquinhos, sempre de camisa colocada para dentro das calças, numa elegância simples e digna, ele era a imagem do encantado, do enfeitiçado que se rende ao pedaço de gente que o chamava de vozinho.

Encontro as cartinhas escritas para o meu filho, em um português que só ele sabia falar, e com um amor que só ele sabia dar. Naquelas breves linhas se misturavam o ídiche da sua história, o polonês da sua infância, o português da sua maturidade, o desenhos de suas mãos trêmulas. Pedia a Deus “bão saúdo” para netinho e para seu papai e “mamãi”.

Amor não tem escrita certa. Amor só tem sentir. Saudade dele, falando de amor assim.

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Repórter especial em jornais santistas e assessora de imprensa em São Paulo e Brasília, nas equipes de ministros e secretários de Estado. Especialista em Psicologia Analítica Junguiana e Constelação Familiar.

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