Para as minhas mães
Se tivermos sorte, a vida nos dará várias mães, diz minha musa Clarissa Pinkola Estés, em “Mulheres que Correm com os Lobos”. A vida que me fez respirar pela primeira vez me veio da Noêmia, leonina brava, nordestina destemida, por mais medo que tivesse ao ter que dar conta de três filhos, antes de completar 23 anos de idade. Mais tarde, 14 anos depois da primeira, euzinha aqui, mãe Noêmia ainda daria à luz um raspa de tacho. Eram quatro a ocupar-lhe o corpo, o travesseiro, o terço. Eu a estreei como mãe e nós duas, nesse espanto que é tirar os véus da inocência, tivemos que nos esfolar muito até jogar fora aquele surrado diário de cobranças. Hoje sei que a vida só é o que é porque bebi e comi do prato que ela me deu. Às vezes, com muita comida. Outras, com comida nenhuma.
Por isso, desde que venho lendo Clarissa, há 24 anos, entendi o quanto a alma, instintivamente, busca mães, irmãos, pais e até avós, na necessidade de preencher pratos que ficaram vazios. Ou que até estavam cheios, mas que eu nem dei bola porque tinha mais críticas àquela comidinha do que gratidão. As mães que fui adotando ensinaram-me o óbvio que a dona Noêmia já tinha deixado claro: não há perfeição em ninguém. Em uma mãe faltava isso; em outra, faltava aquilo; em mais uma faltava isso e mais aquilo. Em todas, no entanto, sempre houve amor. E amor se escreve também com as letras embaralhadas.
Amor. Aprendi que esse é o fruto que dá em todo pé de mãe, essa árvore que se espicha até quase tocar os céus. Ou será que toca os céus, naquelas horas em que mãe precisa conversar com Deus mais de pertinho? Acho que chega lá, sim, porque aí eu mesma me tornei mãe e quantas vezes já estiquei os braços, os olhos, a voz até lá bem alto! Fiz muita coisa igual ao que a dona Noêmia fez. Até o que critiquei nela, fiz igual. Na hora do sufoco, pedi também ajuda às outras mães, aquelas que não me deram a vida, mas que a vida me deu.
A elas todas e a mim entrego esse texto. Hoje, neste dia que alguém escolheu no calendário. Mas, ninguém duvide, entrego minha gratidão e reconhecimento todos os dias. Pensar que cheguei até aqui por causa dela, por causa delas! E quando não estivermos mais por aqui (Joseph Campbell diz que há um céu para as mães e acredito que nos encontraremos todas lá), ainda estaremos por aqui, nas sementes que cada uma de nós deixou. E na prece de todas horas peço que, para crescer e vingar, que essas sementes encontrem as mãos de várias mães, incansáveis a regar e a cuidar, ora adubando a terra, ora erguidas aos céus.