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Brasília é a saudade que eu gosto de ter

Tenho um caso de amor com Brasília, a cidade que para muitos é apenas a Capital Federal e para mim foi escola, foi descoberta, foi desafio. Hoje ela completa 58 anos e eu a deixei há exatos 13 anos, num dia de abril, como filha que precisa partir para pôr em prática o que aprendeu. Da vida e de si mesma. Algumas vezes escrevi sobre Brasília, sobre o céu do cerrado, sobre os ipês e as buganvílias que explodem na seca, sobre os amigos que lá deixei. Sobretudo sobre a saudade. Quem me acompanhar no texto abaixo vai entender que caso de amor é esse… 

Naquele primeiro dia de setembro de 1998, quando pus os pés em Brasília para ficar só Deus sabia até quando, a única certeza é que o coração ficara plantado nas encostas da Serra do Mar. Lá estavam meu lar, meu filho, os afetos de toda uma vida e os limites supostamente seguros. De Brasília, eu não tinha qualquer impressão, nada que sugerisse que um dia ela seria muito cara na minha saudade. Era um dia de cão. A umidade deveria estar em torno de 12% e isso significava olhos vermelhos, narinas ardendo, cabeça estourando e a certeza de que aquela terra vermelha e seca nunca mais se despregaria da minha pele. Como agravante, não tinha a menor noção de onde me encontrava em relação ao mundo, com aquelas informações de Asa Norte, Asa Sul, L2  ou  W3, que mais pareciam códigos para iniciados ou referências de um planeta que não era o meu. Ainda naquele primeiro dia, um santista já mais ambientado e se fazendo de íntimo daquela cidade, me disse: “Brasília é a cidade dos três D. Começa pelo Deslumbramento, passa pelo Desencanto e chega à Depressão”. E arrematou como um arauto de um outro D, o da Desgraça: que era uma das cidades com maior índice de suicídio!

Brasília ao alcance dos olhos de Stan Costa

Entre as folhas da agenda, no entanto, eu carregava um antídoto contra o pessimismo do mal-humorado. Uma carta, entregue às vésperas da minha partida, em que a amiga Rosebel Monza me falava de uma Brasília “que para muitos era fria e distante, mas que no fundo é apenas como uma linda e recatada mulher, que se mostra aos poucos e para poucos”. Segui o coração e a recomendação daquela carta. “Não deixes nunca de olhar o céu que cobre o planalto central”. Durante meus sete anos de Brasília, aquele céu sempre me fez perder o fôlego. Não sei descrever o que é aquele manto sobre nossas cabeças, mas é como se, todos os dias, Deus abrisse potes de tintas que só Ele tem e brincasse com todos os azuis, sulferinos e lilases, e programasse as nuvens para se espreguiçar em slow motion. Protegida por tanto céu, me atrevi a levantar os véus daquela mulher. Descobri as buganvílias derramadas sobre os muros, tingidas pelos mesmos pincéis de Deus e as corujinhas de sentinela no portão.

Buganvílias espiam sobre os muros

Descobri, também, o perfume dos eucaliptos no caminho para Sobradinho; as pedras negras e brancas do Templo da Boa Vontade, por onde tantos caminham em silêncio; os cheiros dos temperos e comidas da Feira do Guará; o ti-ti-ti do Carpe Diem da 104 Sul; os tambores sob as mãos dos xamãs Cláudio Caparelli e Mirella Faur; a patisserie do outro mundo do Daniel Briand, na 104 Norte; o happening dos antiquários no Gilberto Salomão; o canto das cigarras por entre as superquadras; os vitrais azuis que nos abraçam na Catedral de Dom Bosco; comer pizza, em pé, na 107 Sul; olhar a lua cheia que nos lembra os ciclos da vida. Brasília me ensinou, todos os dias, que o horizonte é infinito e que nele posso fazer uma casa para os meus sonhos. E que, tal qual a mulher amada, ela carrega outros Ds e pode ser Deliciosa, Divina, Desatinada, Desmedida, Defendida, Despudorada, Deusa, Doida, Deslumbrante, Delicada, Dissimulada, Dadivosa, Dama, Diaba, Discreta, Divertida, Dócil, Danada… e (in)Descritível.

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Repórter especial em jornais santistas e assessora de imprensa em São Paulo e Brasília, nas equipes de ministros e secretários de Estado. Especialista em Psicologia Analítica Junguiana e Constelação Familiar.

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