E você, já pensou num tempo sabático?
São duas amigas muito queridas, amizade que atravessa quase três décadas. Embora não nos vejamos com a frequência que gostaríamos, nossos encontros reúnem os ingredientes que inspiram a alma e fortalecem os propósitos. E foi numa noite dessas trocas imateriais que falamos da vontade de fazer uma pausa na rotina e lançar-se nas descobertas de um jeito novo de viver. Nem que fosse por um curto período, naquilo que chamamos de sabático e que flerta com um mundo de possibilidades.
A primeira reação, quando se tem uma conversa como essa, mesmo nos grupos mais esclarecidos, é dizer que isso é loucura. Imagine parar tudo o que se está fazendo e cair no mundo, abandonar o “certo pelo duvidoso”, deixar de produzir?! Mas, como as minhas amigas são admiráveis também pela inteligência emocional que sempre me cativou, e pelo savoir faire nas mínimas coisas, deram forma àquela divagação e embarcaram para descobrir outros horizontes! Literalmente, cruzaram céus e fronteiras, e a essa altura já devem ter ajeitado as roupas em um armário que não tem o perfume delas.
Mulheres maduras e sensíveis, com bagagem intelectual recheada de mestrados e doutorados, estão começando a desvendar algo muito maior que novas culturas e novas realidades. Isso também conta, claro, porque nos acrescenta tesouros inesgotáveis, mas para tanto talvez não precisemos de um período sabático. Uma boa programação de férias preenche essas curiosidades.
O que as amigas me ensinam, com essa escolha de colocar-se em marcha, é que os ritos de passagem extrapolam aqueles clássicos que conhecemos, de nascimento, morte, casamento… Na verdade, vejo os ritos de passagem como eventos que mudam as nossas vidas e atiçam os processos de individuação. E por mais que desacomodem certos padrões de comportamento – especialmente os que, em princípio, nos grudam à zona de conforto onde todos nos refugiamos – são eles, na verdade, que nos levam à ampliação da consciência. Porque nos desafiam, porque nos cobram a lidar com nossos medos, porque sacodem os preconceitos e porque nos empurram a atravessar portais inimagináveis.
A decisão de ir não foi assim, estalando os dedos. Não! Exigiu das amigas negociar, antes de tudo,com a própria natureza, essa instância tão humana que nos pede para ficar bem aqui, neste lugarzinho onde nos colocamos, porque é confortável e não seremos surpreendidos por nada. Nem pelo feio e nem pelo belo, nem pela dor e nem pelo prazer. Depois, foi preciso aquietar o mundo à volta delas, aqueles laços que nos prendem em papéis cumpridos à risca como mães, avós, chefes… mas que não são (não podem ser) a totalidade do Ser, o definitivo na Existência.
O que nos torna superlativos é desbravar territórios: espirituais, sempre; físicos, se possível. O que faz a jornada sabática das minhas amigas ainda mais admirável é que ela se cumpre na maturidade das duas, quando no senso comum é hora de “pendurar as chuteiras”. Para elas, foi a oportunidade de dar forma ao que nos ensina o analista junguiano James Hollis, em A Passagem do Meio (Ed. Paulus):
“Nossa tarefa na meia-idade é sermos suficientemente fortes para renunciar às urgências do ego na primeira metade (da vida) e nos abrirmos a um assombro maior”.
Qual é esse caminho para você?