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Era uma vez em Marrakech

Marrocos.

Foi este país que me veio imediatamente à lembrança quando, em uma entrevista recente, me perguntaram sobre um lugar inesquecível.

E pensei como certas situações na vida da gente podem ser tão diferentes, como o foram as duas vezes em que estive naquele exótico mundo no norte da África, com tantas cores, tantos cheiros, tantos costumes que o tornam, de verdade, inesquecível. Quando voltei a Marrakech, em 2011, acho que buscava encontrar a magia e o encantamento que experimentei quando a visitei pela primeira vez, no final da década de 1990, numa das mais felizes experiências de viagem, atravessando as cidades marroquinas mais importantes, como Rabat, Fez e Casablanca.

Daquela vez, no entanto, não foi bem assim.

O dia 28 de abril de 2011 seria uma quinta-feira talvez como outra qualquer, não estivesse eu desembarcando apenas algumas horas depois de um violento atentado a bomba, ocorrido às 11h50, na praça central de Marrakech, a Jemaa el-Fna, na ação terrorista que ficou conhecida como “atentado ao Café Argana”. Confesso que não entendi o aparato policial ao descer no aeroporto, mas era indisfarçável a tensão no ar, a agitação, a gesticulação pesada, quase bruta.

Dia claro ainda, viajando apenas com uma mochila (saíra de Londres num daqueles voos mais que baratos da Ryanair), foi só largar a pouca bagagem no riad onde me hospedava, dentro da medina, e sair para aproveitar o fim do dia. Cinco minutos andando a pé, buscando de novo as maravilhas que lá no passado me fascinaram, e eis que a praça era um amontoado de gente atarantada, todo mundo de olhos arregalados para um restaurante que, horas antes, era apenas o lugar para pessoas se divertirem e provarem dos sabores de uma cultura tão singular.

Do que havia sido o Café Argana, ainda saía fumaça das suas entranhas e o cheiro de queimado cobria a praça como a dizer que tínhamos, sim, razão para ficar com a respiração suspensa. Dezessete pessoas perderam a vida naquela tarde (entre elas, um grupo de estudantes franceses), enquanto pediam um café, um sanduíche, um suco. Outras 25 ficaram feridas, no saldo trágico de uma bomba colocada dentro de uma mala deixada no Argana e acionada remotamente, atentado cuja autoria nunca ficou bem esclarecido, ainda que um homem tenha sido condenado à morte, outro à prisão pérpetua e mais três acusados presos por uns poucos anos.

Contemplar a morte exige de nós um respeito. Mas ali, naquela praça que eu um dia conhecera como palco de uma festa permanente, a morte era arrebatadora e me colocava cara a cara com a minha finitude. Tudo passa pela cabeça da gente nessa hora. Inclusive pensar que… ah, tanta coisa! Pensar que “poderia ser eu naquele café”. Mas sem o menor alívio por não ser eu, porque “a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano”, me ensinou o poeta John Donne.

A vida que se tem, numa situação como essa, ganha dimensão, fica grande, fica boa, fica linda.

Foi para ela que desviei meus olhos e me enchi de gratidão.

*As fotos são do meu arquivo pessoal

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Repórter especial em jornais santistas e assessora de imprensa em São Paulo e Brasília, nas equipes de ministros e secretários de Estado. Especialista em Psicologia Analítica Junguiana e Constelação Familiar.

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