Nas margens do Velho Chico
Por Patrícia Medina *
Zé Ru é ribeirinho há 53 anos. Vive às margens do Rio São Francisco, em Alagoas, e nunca saiu dali nem mesmo para conhecer a capital, Maceió.
Viveu a vida toda como pescador. Todas as reservas que conseguiu juntar investiu em um barco pequeno, pra 14 pessoas. Hoje, Zé Ru trabalha também com turismo, conduzindo os turistas do município de Piaçabuçu até a Foz do Velho Chico, onde se cruza o Rio com o Mar.
Durante o trajeto de três horas de passeio, o pescador contou que tem 12 irmãos, mas só dois ainda vivem por aquelas bandas. Os outros foram embora ainda novos para o Rio de Janeiro, e não conseguiram mais voltar.
Enquanto apreciávamos as belezas do Velho Chico, Zé ia nos contando sobre sua vida. Viveu ao lado do pai até sua partida deste mundo. Quando o pai se foi, quase morreu de depressão.
Quando criança, viveu em uma ilha às margens do Rio. Passamos por ela, e as lembranças de Zé Ru me faziam imaginar o que deve ter sido sua infância.
Os barquinhos que fazia com as folhas de coqueiros, a lua e o sol que davam a luz do dia ou da noite, porque não tinham energia elétrica.
As notícias que ele dizia ouvir apenas pelo radinho de pilha, ao pôr do sol, com a chegada das estrelas, e as canções que aprendeu a cantar ao pé do ouvido das meninas ribeirinhas.
O ribeirinho se mostrou o tempo todo muito saudosista. Mas no brilho do seu olhar dava para ver que, apesar de toda a dificuldade de uma vida pobre e simples, Zé Ru foi muito feliz no Velho Chico.
A tranquilidade de uma vida pacata do extremo litoral alagoano permitiu que Zé Ru desse um valor inigualável à natureza belíssima que o cerca, mas tudo isso não tirou do pescador a sabedoria e o sonho de ver um país mais digno. O Brasil que Zé Ru quer é um Brasil sem corrupção, com mais educação, em que as pessoas não sejam obrigadas a votar. Segundo nosso barqueiro, naquela tarde de terça-feira, a obrigatoriedade do voto faz com que muitos o vendam a troco de côco.
Sábio, Zé Ru.