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O que torna a vida espetacular?

Se William Shakespeare pensava mesmo assim – “Aprendi que são os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espetacular” – gostaria de tê-lo conhecido para saber quais pequenos acontecimentos davam à vida do poeta inglês um gosto que certamente não se misturava às alucinações do seu atormentado Hamlet.

A vida está cheia desses pequenos milagres, e não precisa ser poeta para se encantar com eles. Mas nossos olhos hipnotizados pelo espetaculoso não reconhecem de pronto a poesia de cada dia, e se perdem a perseguir a luz onde morrem as mariposas. Estamos todo o tempo voltados para fora, e engana-se quem pensa ser este o movimento para captar o espetacular.

São os olhos da alma que nos conferem tintas e pincéis para pintar o magnífico, mas eles carecem de uma certa educação, de um treinamento mesmo, e da vontade (essencial) de se encantar – há os que preferem reclamar, seja do sol, seja da chuva. Assim como você, também eu passo apressada pela vida, mas venho me treinando para aprender a “ouvir estrelas”, como disse o poeta Olavo Bilac.

Nos tantos anos de Brasília, por exemplo, aprendi a olhar o céu, e especialmente a cada entardecer (e mais ainda nos meses da seca no cerrado), quando o infinito azul é invadido por cores que só existem na paleta de Deus. Parava o carro, sempre que possível, e acompanhava o movimento das nuvens, mudando de cor e forma, apressadinhas porque a lua cheia já pedia licença.

Por aqui, não me canso de ver os navios que vão deslizando para ganhar o mar, saindo lá na Ponta da Praia, imponentes, carregando seus mistérios. Passam tão pertinho que, penso, se estender as mãos vou tocá-los. Ou, se um pescador de melhor pontaria atirar mais longe a linha de pescar, ali da mureta da orla, vai puxar o navio para mais perto desse cais que a gente inventa. São cenas, apenas, que ganham vida quando lhes damos asas. Nada disso é possível reter nas mãos… nem as estrelas de Bilac, ou os tons violáceos do céu de Brasília e tão pouco o movimento dos navios que parecem tocados pelo sopro de um gigante.

Os “pequenos acontecimentos diários” – e a esses podemos agregar o abraço que chega de surpresa, rever as fotos (no papel já amarelado) de um tempo que não volta mais, o cheiro de bolo saindo do forno e café passado na hora, um banho fresco depois de um dia com terno e gravata, o telefone que toca e o filho tão longe diz “oi, mãe” – e muitos outros que você certamente também terá na sua prateleira, esses ficarão “guardados no cofre da recordação”.

O melhor da história é que a chave desse cofre somente você tem e bem aí, no poder de abrir janelas no tempo, reside aquele encanto de tornar a vida espetacular. Para o poeta, que sabe dos versos, e também para quem pouco entende das rimas, mas já tem bem claro o valor de cada cena, a memória de cada sensação. Sensíveis cronistas do cotidiano aprenderam que há coisas que não têm preço e são elas que nos impulsionam a dar a volta por cima quando, no rio da vida, as coisas com preço são levadas na enxurrada.

Pequenos e inestimáveis acontecimentos podem, sim, dar ao mais comum dos dias a marca da eternidade. Minha proposta é que façamos uma pausa neste domingo e coloquem os no cofre da recordação o bem que não tem preço