Um museu especial. Ou: exponha sua dor de amor
“Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir”
Essa música do Chico, Eu te amo, fala do fim do amor e dói ouvir. Difícil buscar novas pernas para percorrer outros caminhos depois que o amor acaba. Cada um tem seu jeito de viver esses tempos salgados de lágrimas e de ausências. Eu, certa vez, passei um Carnaval rasgando em pedaços fotografias de uma história intensa. O coração foi acalmando, não a dor. E confesso que guardei umas fotinhos para… quem sabe um dia?
E tem a imagem da Elis Regina, arrasada, cantando Atrás da porta: “Quando olhaste bem nos olhos meus/E o teu olhar era de adeus, juro que não acreditei”. E quem acredita que o amor acaba quando ele ainda queima seu corpo e sua alma?
Essas lembranças tão comuns a todos nós me provocaram quando li uma página recente no caderno Ilustríssima, da Folha. Descobri a existência do Museum of Broken Relationships (Museu dos Relacionamentos Partidos), situado no palácio barroco Kulmer, em uma esquina da histórica Cidade Alta de Zagreb, na Croácia.
Ali estão fragmentos de histórias de amor interrompidas como um machado cravado numa porta, um buquê de papel, livros de Proust que o casal costumava ler na praia, a rolha da champanhe do primeiro jantar e até uma garrafa de água benta na forma da Virgem Maria deixada pelo amante como despedida. E tem muito mais. Que tal um anão de jardim atropelado pelo carro de um dos cônjuges, selando o fim do amor de 20 anos em Liubliana, na Eslovênia?
São mais de 2200 objetos doados por sofredores anônimos ou nem tanto que colaboram para o museu criado pelos croatas Olinka Vistica e Drazen Grubisic. Eles buscavam formas de superar a dor do final do relacionamento e pensaram em arquivar os objetos dolorosos que relembrariam os bons tempos. Alguns amigos gostaram da ideia e mandaram os seus fantasmas. E o museu das desilusões foi crescendo. O projeto é tão bom que ganhou o Prêmio Kenneth Hudson do Fórum Europeu de Museus como “projeto museológico mais ousado e inovador na Europa”.
Fiquei pensando, então, o que eu ainda tenho guardado para colaborar com o Museu? E o que eu ainda tenho, e tenho, será que eu gostaria de mandar para lá e unir meus pedaços de fim aos de outras pessoas desconhecidas? Do descompasso das emoções desafinadas de finais infelizes, restaram tramas que ainda podem tecer as emoções dos meus dias?
Acho que não quero compartilhar o que já ficou sufocado no tempo. Prefiro esfregar os olhos e abri-los para o presente, retomar sonhos sem olhar para o retrovisor. As lembranças tristes de amores perdidos que fiquem lá, bem desbotadas no passado e não eternizadas em um museu. Não quero requentar o inacabado.
Mas pergunto a você: compartilharia seus espólios afetivos de desenlaces?
Por Ivani Cardoso, jornalista