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Era uma vez um amor menino…

Ainda usava chupeta quando conheceu Marita, ela também de chupeta, dengosa, batendo as pálpebras em câmara lenta, como se estivesse sempre com sono. Ou sonhando. Deve ter sido por causa desse jeito mansinho, de quem nunca berra nem se joga no chão, que ele parou na menina. Quando descia, para brincar no playground do prédio, enrolava a chupeta em um resto de fralda encardida, cheia de cheiros que só ele sabia definir, e escondia dentro do forte-apache que nunca era desmontado. Então, ficava à toa, lá embaixo, espreitando a porta da entrada de serviço, que era por ali que ela também aparecia.

Aí chegava Marita, conduzida por todas as fadas que ele já tinha visto nos livros de contos, e seu coração disparava, estalava. Ele tinha até a impressão de que Marita percebia aquele descompasso luminoso, atravessando a camiseta, caminhando pelo corpo miúdo, até fazer cócegas por dentro do tênis um tanto folgado. A mãe sempre comprava um número maior, pensava ele. Não, agora não pensava em nada. Queria era chegar mais perto dela, dizer que tinha um monte de figurinha repetida. Quer uma? Não conseguia dizer nada! Também, quem garante que menina gosta de figurinha? Ficava ali parado, as mãos para trás, se agarrando às figurinhas… E se perguntasse o nome daquele gato de pano, sujo e sem bigodes, que ela trazia sempre embaixo do braço? Não, também não conseguia chegar por aí.

Marita, Marita, queria ter coragem de te dar a mão, sentar naquele banco de cimento do playground, ao lado dos pés de azaleias, e falar dessa coisa que anda acontecendo dentro de mim, que me deixa tão sem jeito!

Todo mundo em casa ficava falando que ele já tinha namorada, a mãe contava pra todo mundo, como se isso fosse coisa de andar espalhando a qualquer um. Namorada não era não. Pelo menos não como na televisão, que os namorados se abraçavam, se beijavam. Se bem que quando faziam isso, falavam de amor… Quem sabe era esse tal de amor que estava virando seu mundo de cabeça para baixo?  Ele só soube mesmo o que era o mundo de pernas para o ar quando Marita mudou do prédio. O

banco de cimento ficou gelado, as azaleias murcharam, caíram do pé e os brinquedos do playground rangiam como se gemessem. Como se chorassem baixinho com ele. De noite, ficava olhando as estrelinhas e os cometas grudados na parede ao lado da cama e pensava que talvez Marita se tivesse ido numa estrelinha daquela, tão longe que ele não podia mais alcançar. Nem para olhar de longe.

Marita ficou dormindo na lembrança dele por toda aquela primavera, tempo suficiente para consumir duas chupetas e o tênis servir direitinho, finalmente. Atravessou o verão e pensava que nunca ia ter fim. Só ficava melhor quando chegava o vô pequeno (tinha um vô grande, também), porque ele parecia entrar pela sua camiseta e fazia ninar seu coração doidinho. Davam voltas no quarteirão e o vô contava das senhoritas  (o vô falava senhoritas e pelo jeito como fechava os olhos e suspirava, imaginava que deveriam ser bonitas, muito bonitas as senhoritas) que deixaram marcas na sua lembrança, do mesmo jeito que Marita era, agora, um carimbo de tinta que de jeito nenhum se apaga.

O avozinho dizia que era assim mesmo, que às vezes o coração bate palmas e até ensina a gente a fazer poesia. Ele mesmo tinha muitas e muitas, secretas, perfumadas pelo tempo. E que também chega o dia em que o coração cruza os braços, diz que está de mal e fica emburrado num canto, sem querer brincar com ninguém. E assim vai ser na sua vida também, segredou o vô. Porque quem conhece o jogo do amor, feito de claros e escuros, estará sempre buscando alguém que brinque de jeito a que nunca fique escuro.

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Repórter especial em jornais santistas e assessora de imprensa em São Paulo e Brasília, nas equipes de ministros e secretários de Estado. Especialista em Psicologia Analítica Junguiana e Constelação Familiar.

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