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Violeta foi para o céu

Mas pode ter ido ao inferno também

Se uma história bandida de vida fosse certeza de um ser humano torto, Violeta Parra não teria escrito e cantado Gracias a la Vida, um hino de gratidão por tudo o que via, intuía e tocava, no sentido mais grandioso da experiência de viver. E se mais nada tivesse feito essa chilena notável, só por esta composição ela já mereceria a imortalidade e a reverência de quem faz perpetuar o seu nome.

Como o filho, Ángel Parra, que escreveu Violeta se Fue a los Cielos, livro no qual se inspirou Andrés Wood, o diretor (também chileno) de Violeta Foi para o Céu. E como Mercedes Sosa e Elis, só para falar de duas mulheres fundamentais,que cantaram Violeta com a alma à flor da pele. Mas Violeta fez muito mais, apesar da vida severina, da casa cheia de irmãos, de pai alcoólatra e uma pobreza de fazer doer e aposentar sonhos. Ela não, não aposentou nada. A menina era danada desde pequena e aprendeu sozinha a tirar do violão os sons que ganhariam corpo e a fariam ser a voz do Chile. O filme não conta ahistória de forma linear e sim como se seguisse o ritmo da alma febril de Violeta, que ora ia aos céus, ora se aventurava no inferno. De cada viagem dessas, ela trouxe as contas preciosas com que expressou a criação do jeito como entendia. Ou sentia. É dela, no filme, uma verdade que cumpriu como ninguém: “A criação é um pássaro em pleno voo, que nunca vai voar em linha reta”.

O filme não faz concessões no sentido de apresentar um perfil comercial de Violeta. Ao contrário, enche a tela com uma explosão de sentimentos em forma de mulher, desafio que a atriz Francisca Gavilán abraçou com a alma e o corpo. E não dá para imaginar outra pessoa vivendo Violeta, passional, uterina, quase paranormal, grudada em Francisca como uma segunda pele. A impressão que se tem é que Violeta habitou outros mundos enquanto caminhou pela Terra, nos seus 50 anos de vida. Sim, Violeta Parra morreu cedo. Depois de compor letras e melodias, de pintar quadros e tecer tapeçarias (que ela, ousadamente, expôs no Museu do Louvre, em Paris, e ainda na Argentina, Suíça e Chile), de atravessar os desertos do seu país para compilar a história do seu povo, de parir e de perder filho, de amar seu homem como amam os bichos, de brigar aqui e se entregar ali, Violeta se foi aos céus.

 

Alguns poderão dizer que foi aos infernos, mas isso não faz a menor diferença. Pelo menos não para ela. Até porque não há uma linha separando suas percepções. Tudo se mistura, como bem se desenvolve o filme de Andrés Wood. Ele passa, sem avisos, de uma Violeta cantando Volver a los 17, em um jantar black-tie onde ninguém a ouve, para a menina de cara suja, comendo uvas no cemitério e descobrindo as cordas do violão. Da mulher apaixonada por suas raízes ou sarcástica em um programa de televisão, à jovem mãe que deixa os filhos para cantar na Polônia. Um país, aliás, onde ninguém compreende a língua em que ela canta, mas aplaude em delírio porque sabe o que ela canta.

Dos sonhos que não aposentou, um dos mais caros foi criar a enorme tenda que ela chamou de La Reina, na região dos Andes, onde pensou juntar tudo o que fazia transbordar sua alma: a música, os filhos, o povo latino-americano. Mas, o voo de Violeta nunca poderia ser em linha reta e um dia, a tenda ficou vazia e nostálgica. Violeta também. Arrumou a tenda como para uma grande estreia, recebeu a plateia de toda a sua vida e permitiu ao falcão errante, enfim, fazer o pouso derradeiro.

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Repórter especial em jornais santistas e assessora de imprensa em São Paulo e Brasília, nas equipes de ministros e secretários de Estado. Especialista em Psicologia Analítica Junguiana e Constelação Familiar.

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