Flores no outono
Quem lhe mandaria flores naquele domingo de tanta chuva, dia de Santo Antônio encharcado, agoniado com tanta moça pedindo marido? Pensando bem, quem lhe mandaria flores, em qualquer dia, com qualquer tempo? No entanto, estavam lá. Bem no meio do cotidiano, espevitadas em seu frescor, lá estavam as flores do campo surpreendendo o seu outono, rivalizando com o medo de que nunca mais acontecessem primaveras em sua vida.
O nome dela, no envelope, escrito todinho. No cartão, apenas o suficiente para asfixiá-la: amo você. Assim, desse jeito simples, direto, absoluto. Tão absoluto que nem nome tinha o cartão. Talvez não fosse o momento. Talvez não fosse preciso.
Com o cartão grudado à palma da mão, foi lá para fora desdobrar sua alegria, esfriar a cabeça e sossegar o peito. Bebeu da água da chuva e a dos beija-flores também, incorporou uma Isadora sem véus, de jeans e suéter, e desenhou no chão e no ar o inacreditável. Naquele universo inteiro, que ela jamais saberia dizer o tamanho, alguém a amava e mandava flores para perfumar o seu outono.
Quando a noite chegou, ela ainda escorregava os dedos pelas pétalas e pensava. Soletrava, como se cantasse, o nome que não estava escrito, mas que por certo se revelava. Teria coragem, um dia, de se revelar? Com que palavras, com quais respostas? Chegar e dizer, do mesmo jeito absoluto, o que escrevera no cartão? Chegar e não (conseguir) falar. Chegar e negar. Jamais chegar. Jamais?
O medo maior não era atravessar a noite daquele jeito, segurando nas mãos um buquê montado com flores do campo. Nesse noivado singular, extemporâneo, o que mais a amedrontava e fascinava era caminhar ao encontro do amor, o seu amor de outono.
Vera Leon