Blog

Mulheres sendo mulheres

Começou com um daqueles comentários despretensiosos no Facebook, com uma amiga se queixando de cansaço, de falta de tempo, de ter que matar um leão por dia… Exaurida, dizia que queria levar um papo com aquela que teve a brilhante ideia de queimar sutiã em praça pública, provocando Betty Friedan a sair do túmulo para também trocar umas palavrinhas com as esgotadas mulheres desses tempos que correm. Uma tira de posts pipocaram na rede e se a ativista feminista não tivesse morrido em 2006, acabaria virando pó sob a ira das revoltadas garotas (apoiadas por alguns rapazes) que, assim como a questionadora americana Betty, também se debatem em busca da identidade feminina.

Reencontrar em nós o feminino é a grande e urgente tarefa e temos uma brutal dificuldade de entender isso. É muito mais fácil colocar em prática os papéis que a sociedade nos cobra e cujo discurso compramos há milhares de anos, e mais acentuadamente no último século de superações, conquistas e, claro, perdas. Entramos na competição não para provar que somos plurais e que trazemos o poder da vida – esse direito inconteste pelo qual já fomos queimadas e hoje somos apedrejadas –, mas para passar um atestado de que podemos nos igualar aos homens. Ou de que podemos até superá-los, ignorando (ou desprezando) que nossas naturezas são diferentes e que quando nos afastamos desse princípio, pagamos um alto preço. Não, nunca seremos iguais aos homens porque este não é o propósito da nossa alma.

Somos cíclicas, somos lunares, e não deve ser por acaso que a Lua cumpre um ciclo de 28 dias, indo de crescente a minguante, e na mulher o ciclo menstrual também se faz a cada 28 dias. Quem se der ao prazeroso trabalho de estudar os mitos da Criação, vai entender a repercussão desse movimento. E vai respeitar que ora resplandecemos como a lua cheia, a plenitude da criação, que ora minguamos melancolicamente, até ficarmos quietas e misteriosas como a lua escura, porque nos preparamos para deixar ir a vida que não vingou. Hoje, no entanto, esses humores que vêm da nossa natureza mais profunda se dividem entre “a maldita TPM”, num reducionismo vazio e perverso, e “aqueles dias” considerados tão ruins que parecem coisa enviada pelo demônio. Ou seja, brigamos com o que é essencial. Ou seja, duelamos todo o tempo com o que somos, sem parar um minuto para saber (e louvar) quem somos.

Pagar essa fatura tem um custo que se reflete nas palavras das mulheres loucas para matar a atrevida que queimou o sutiã. Um extremo cansaço, um esgotamento, e a sensação de que não damos conta, embora já tenhamos provado que podemos dirigir caminhões, aviões, parir, perder, trair, segurar um diploma nas mãos, amamentar, recomeçar, sobreviver. Entre os comentários, a queixa de que não sobra tempo para marido e filhos (quando na verdade, o tempo que falta é para ela); ou que mulher que fica em casa emburrece; ou que já se foi o tempo de esperarmos pelo príncipe encantado. Tenho medo dessa dialética porque ela perpetua conceitos (e pré-conceitos) que nos têm escravizado e nos condenam a ler por uma cartilha onde nossos ritmos não são respeitados.

Também eu estou em busca, porque paguei e pago por essa conta que não fecha, e que depende totalmente da nossa vontade de empreender. Não no que se entende hoje desta palavra que nos mantém suspensas pela corda no pescoço. Já o fazemos todos os dias e tudo isso é válido e é restaurador. Nossa maior empreitada é fazer o caminho de volta à alma, é reencontrar Aquela que espera por nós, que nos brinda com o cálice da vida, quer fiquemos em casa, quer esperemos por nossos príncipes encantados, quer nos penduremos em um paraquedas para ganhar um brevê de piloto. Aquela com quem podemos dançar e em cujo colo podemos nos curar.

(Texto publicado em A Tribuna, em março/2014, e que trago de volta porque expressa o que ainda penso e acredito)

contato@veraleon.com.br

Repórter especial em jornais santistas e assessora de imprensa em São Paulo e Brasília, nas equipes de ministros e secretários de Estado. Especialista em Psicologia Analítica Junguiana e Constelação Familiar.

Siga-me: