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A Tenda Vermelha

Por que alguém lê um livro duas vezes? Ou mais que isso ainda, se não for pelo simples fato de ele ter mexido profundamente com seus valores, suas crenças, suas emoções? Foi assim com A Tenda Vermelha (meu exemplar é Editora Sextante/2001), obra da jornalista norte-americana Anita Diamant, que narra a história de Dinah, filha de Lia e Jacó, personagens bíblicos do Livro do Gênese.

O livro me arrebatou já na primeira linha do capítulo um, quando Dinah revela que “a história de minhas mães começou no dia em que meu pai apareceu”. Imagine alguém que se refere às mães, assim no plural, e se põe a desenrolar uma saga centrada em Lia, Raquel, Zilpah e Bilah, as quatro esposas de Jacó, que lhe deram 12 filhos que por sua vez renderam, no romance comovente de Diamant, cenas de amor e ódio, de frescor e sangue, de ciúme e rivalidade, de morte e renascimento.

Lembro como se fosse agora o momento em que terminei a leitura das 376 páginas. Estava em um táxi, em São Paulo, e chorava copiosamente, impregnada da narrativa forte que dava à Dinah um lugar para sempre dentro de mim. Banhada em lágrimas, para espanto do motorista que me olhava pelo retrovisor sem se atrever a dizer uma palavra. A viagem era longa, o choro não cessava e eu não sabia como fechar o livro e olhar para a ensolarada tarde lá fora.

Voltei ao capítulo um e comecei tudo de novo, esgotada, sim, porém não satisfeita daquela viagem no tempo, nos costumes… Anos depois, aquele exemplar foi emprestado e não devolvido, e me apressei a comprar outro, pois o vazio não era apenas na estante, mas no feminino em mim, tão identificado com aquelas mulheres da tenda vermelha. Uma tenda física, realmente, onde as mulheres se recolhiam quando menstruavam e quando prestes a parir, mas também uma dimensão espiritual de resgate aos ciclos sagrados hoje tão desrespeitados.

Dinah descreve assim o encontro com o mistério de tornar-se mulher:

Tinha a impressão de que sempre estivera esperando para me tornar mulher, e no entanto não saí correndo para contar às minhas mães. Fiquei onde estava, agachada, escondida pelos galhos dos arbustos, pensando: minha infância acabou. De agora em diante, vou usar um avental e cobrir a cabeça. Não vou mais servir de criada durante a lua nova, vou sentar-me junto com as outras mulheres até engravidar. Vou ficar ociosa na companhia de minhas mães e irmãs, na penumbra rosada da tenda vermelha, durante três dias e três noites, até a deusa do crescente ser vista pela primeira vez. Meu sangue vai fluir através da palha fresca, enchendo o ar com o odor salgado das mulheres”.

Sim, dentro de mim moram outras versões de mim. Eu também sou Dinah e as suas mães.

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Repórter especial em jornais santistas e assessora de imprensa em São Paulo e Brasília, nas equipes de ministros e secretários de Estado. Especialista em Psicologia Analítica Junguiana e Constelação Familiar.

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