Um livro com Listas Extraordinárias
Foi amor à primeira vista quando dei de cara com o livro Cartas Brasileiras (Companhia das Letras) na prateleira da Livraria Martins Fontes. Não foi um encontro casual. Eu já havia lido uma resenha em uma revista semanal e, literalmente, corri em busca do livro. Não desgrudei até que li tudo daquela deliciosa e surpreendente coletânea, onde o leitor é convidado a conhecer certas intimidades dos seus ilustres personagens.
Organizada pelo jornalista Sérgio Rodrigues, que apresenta as cartas num tom instigante, a obra, como disse acima, nos torna íntimos de pessoas como Elis Regina, por exemplo, escrevendo uma carta ao filho João Marcello, pouco antes de ele completar um ano. Ou de Olga Benário, militante comunista alemã de tão trágica história, quando ela se dirige ao companheiro Luiz Carlos Prestes e à filha Ana Leocádia, antes de ser conduzida à câmara de gás no campo de concentração feminino de Ravensbrück, próximo de Berlim. Tem muito mais nesta brilhante publicação da editora, que nos abre as portas para inusitados relatos e situações envolvendo de Chico Buarque a dom Pedro I, de Lampião a Renato Russo e Santos Dumont. De Maysa, passional na carta que dirige ao amor Carlos Alberto (foto na home), ator que passou pelas Tvs Record, Manchete e Globo, a Clarice Lispector escrevendo a Getúlio Vargas, na ansiedade de quem tinha pressa para ser reconhecida como cidadã brasileira.
Depois de agarrar o meu Cartas Brasileiras, fui apresentada ao livro que inspirou a antologia, o Cartas Extraordinárias, do britânico Shaun Usher, um fissurado por correspondências e listas. E como uma coisa puxa a outra, quis saber que listas eram essas e cá estou eu com Listas Extraordinárias, essa beleza de material, que além de especialmente bem ilustrado ainda traz, claro, as mais curiosas listas. Uma que chamou minha atenção, nesses tempos de tanto falar sobre assédio, dá um banho de atualidade nesse assunto tristemente inserido na realidade humana, principalmente na vida das mulheres.
A lista prevenindo as moças nasceu com a criação de um Clube Antiflerte, no início da década de 1920, por um grupo de mulheres de Washington, DC, cansadas de ser importunadas por sujeitos inconvenientes, abusados mesmo, “abordadas por homens em automóveis e esquinas”. Para que se protegessem dos constrangimentos, as meninas criaram o Clube Antiflerte e os mandamentos a serem seguidos, começando com o básico “Não flerte: quem se apressa em flertar geralmente se arrepende com o tempo”.
Bem didática, a lista incluía um “Não saia com desconhecidos – eles podem ser casados, e você pode estar arranjando sarna para se coçar”. Ui, haja sarna! Certíssimo, meninas! E outra sensacional: “Não deixe velhos que estão em busca de flerte dar-lhe tapinhas no ombro e demonstrar interesse paternal por você. Geralmente são do tipo que quer esquecer que são pais”. As moças do clube sabiam das coisas!
Delícias como essa estão ao longo das 330 páginas da obra de Usher, onde 125 Listas Extraordinárias se abrem à nossa curiosidade e deleite, quem sabe até para seguir os conselhos que algumas sugerem, como as 10 regras para criar um filho que a escritoria Susan Sontag fez, sete anos depois de dar à luz David, seu único filho. O sétimo mandamento da sua lista, por exemplo, é sábio: “Sempre falar bem do pai dele. (Nada de caretas, suspiros, impaciência etc)”.
O Listas é um daqueles livros que a gente não cansa de ler, que adora dar de presente e que não tenho a menor intenção de emprestar!