Prazer, boas amizades, novas paisagens. A velhice pode ser um tempo muito bom
Não posso queixar-me das minhas mais de seis décadas de vida. Registre-se um tanto de cabelos brancos – a tintura foi abolida há uns 4 anos –, o corpo mais pesado, mas em dia com a musculação e a hidroginástica, e uma coleção de rugas que só incomodam de vez em quando formam um conjunto de evidências que atestam o óbvio: envelheci. Sem dramas, sem crises da meia idade, da terceira idade ou da melhor idade, como queiram classificar as regras que de alguma forma organizam as práticas sociais. Envelheci em paz comigo mesma, e grata por esta jornada que me encontra tão cheia de sonhos, de projetos, de amores, de curiosidade e de escolhas que, nesta altura da vida, precisam fazer bem à alma.
Assim como me fez bem ouvir, mais uma vez, a psicóloga Maria Célia Abreu, que generosamente trouxe o seu saber e experiência para uma tarde das mais sensíveis na Associação Atlética Banco do Brasil, falando sobre As novas paisagens do envelhecer. Falou para uma plateia corajosa, segundo ela, pois “há uns 10 ou 15 anos, o tema velhice funcionava como repelente: todo mundo ia embora, como a dizer ‘não tenho nada a ver com isso’”. Naquela tarde de quinta-feira, ninguém foi embora. Homens e mulheres curiosos, aprendendo que “velhice não é uma etapa inferior da vida, e sim com valores diferentes”, que precisam ser assimilados diante do inegável: as condições de hoje permitem que a vida seja mais longa.
“Estamos durando muito e as crianças não estão nascendo mais como antes, quando as famílias tinham 8 e até 12 filhos. Menos crianças e mais velhos causa uma revolução na sociedade”, alertou Maria Célia, destacando um dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de que em 2031 os velhos serão mais numerosos do que as crianças de 14 anos. É certo que para organizar essa longevidade se faz necessário saber quando se é velho. É todo aquele que tem mais de 60 anos de idade, diz a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o nosso IBGE. A idade cronológica precisa ser usada, diz Maria Célia, “mas de verdade não significa nada, pois a história de vida das pessoas as transforma. Portanto, não podemos generalizar a população de velhos”.
E propôs um raciocínio interessante: pensar nos bebês de um berçário lotado, e observar que enquanto alguns dormem, outros choram, alguns gritam, outros não estão nem aí, mostrando que já são diferentes uns dos outros. “Juntemos esses bebês daqui a 60 anos e veremos quão diferentes se tornaram como adultos, o quanto cada um é único, ainda que a sociedade precise generalizar para organizar”.
Sim, somos diferentes uns dos outros, mas nos identificamos em algumas características. Por exemplo, a distribuição de gordura no corpo é uma na juventude e outra na velhice. Uau! Sabemos disso e na hora de comprar roupas, confirmamos isso, lembrou Maria Célia. E na hora de comprar sapatos não é diferente, pois os fabricantes confundem confortável com feio, desajeitado, sem graça… “Não precisa ser velho decrépito”, diz ela, e sair desse esteriótipo dá trabalho. E muito! Bem lembrado pela especialista em Psicologia do Envelhecimento, “tem que tirar da cabeça a ideia do ‘velho no sofá’ e uma prova de que isso é possível é a plateia que temos hoje aqui (AABB), interessada, diferenciada”.
Maria Célia é coordenadora do Instituto para o Desenvolvimento Educacional, Artístico e Científico (Ideac), um trabalho que lhe permite estar ainda mais perto de histórias relevantes, mobilizadoras, cuja síntese é um ensinamento para a vida, especialmente se a gente já iniciou a caminhada por essa estrada de novas paisagens. Saber que não é o dinheiro e nem os diplomas acumulados que contam para a sensação íntima de felicidade. O que faz sentido, mesmo, “é a rede de relações afetivas que estabelecemos com pessoas, é ter amigos, ter amizades, com familiares ou não familiares”.
E pensa que cultivar relações de bons afetos não dá trabalho? Dá, sim! E ainda há mais por fazer, incentiva Maria Célia, dizendo que podemos aproveitar a vida ao máximo, “desfrutando do que podemos fazer agora em vez de lamentar o que não se pode mais fazer. Ter maturidade para rever nossa história de vida e dar um novo sentido aos fatos que um dia tiveram outro peso”. Buscar o prazer faz parte desse contexto de usufruir o presente e exige bom-senso para sonhar com o possível, com o que se tem no aqui e agora. “O prazer pode estar no cafezinho que se toma no meio da manhã, usando uma xícara linda. Não dá mais para passar correndo pela vida, não estar por inteiro nas situações, nas relações”.
Esse aqui e agora precisa ser mesmo sinônimo de prazer e gratidão, pois caminhamos para a finitude, “e esse é um dos temas mais difíceis para a gente”, garante Maria Célia. Ela explica que o século 20 tratou muito mal a morte, tornou-a distante da realidade humana, “mas já começamos a falar sobre isso e a tomar medidas quanto ao que fazer com nosso corpo. Sabendo que teremos um período de dependência, há que tomar providências nesse sentido. Por exemplo, fazer o testamento vital, deixando por escrito o que queremos, pois isso auxilia a família, o médico”.
Vamos combinar que o assunto é difícil, mas precisa ser encarado de frente. Maria Célia sugere que, pelo menos uma vez, conversemos sobre isso com as pessoas próximas, com alguém da família, com amigos. “E depois, vá viver seus sonhos, retomar o que não pôde fazer em outros tempos, desfrutar da liberdade”. Nessa estrada que é a vida, vamos passando por paisagens. “Algumas têm mais flores, outras trazem algumas tempestades, ensinando que cada fase da vida está atravessando uma paisagem e que ela vai mudar”.
“Aproveite a paisagem boa porque ela pode não durar”, diz a psicóloga, em paz com a sua velhice, como ela mesma faz questão de dizer, prestes a completar 73 anos e sendo exemplo do quanto podemos investir neste trecho do caminho, encantando-nos com as novas paisagens.